Éramos 4. Já passava das 22h. Sentamos num japonês no Leblon e, entre sushis de salmão contaminado, cervejas e saquês começamos a conversar. Tinha gente que não se conhecia, gente que se conhecia mais ou menos e gente que se conhecia muito bem. Os assuntos? Das coisas mais banais a momentos íntimos de cada um. Sexo? Teve. Não entre eles (pelo menos, ali na mesa). Mas esteve presente, de alguma forma, na maior parte do tempo. Coisas que só Freud explica... Cada um ali tinha pelo menos uma questão pra resolver, um sofrimento, uma alegria, um contexto de vida. Diferentes, porém com uma sintonia que não sei explicar. O pudor saiu pra dar uma volta e não apareceu mais, o que fez daquela noite algo muito especial. E, a partir de um determinado momento, percebi que a identificação com sentimento e com a palavra do outro nos tornou, ali, tão parecidos, que chegamos quase a formar um único ser. Levo desse gap de 3 horas no meu dia, a certeza de que momentos inesperados como esse traduzem a beleza da vida e confirmam que ela é o maior presente que um dia nos foi dado.
Aos 4 personagens dessa mesa de japonês...
domingo, abril 24, 2005
domingo, abril 17, 2005
Abelardo e Elisângela II - Tá na hora de ceder!
11h de um sábado qualquer...
A: "Bom dia, minha flor!"
E: "Bom dia!"
A: "Está um dia lindo, né?"
E: "É. Vamos dar um pulinho na praia?"
A: "Ih, linda, não vai dar. Hoje eu tenho que finalizar, no computador, todos aqueles trabalhos que ficaram pendentes."
E: "Como sempre, né, Abê? Será que não vai ter um fim de semana sequer, em que vamos conseguir relaxar, ir à praia, tomar sorvete, andar de mãos dadas na Lagoa, viajar? Eu trabalho a semana inteira e adoraria que, pelo menos no fim de semana, pudéssemos ter um tempo pra nós!"
A: "Eu sei, minha flor, mas você sabe que eu tô numa fase assim mesmo, meio sem tempo, meio confusa."
E: "Será que isso é fase, amor? Está durando tanto..."
A: "É, é fase sim."
E: "Tá bom. Vou à praia, então, e depois fazemos algo, ok?"
A: "Ok."
Elisângela curte uma horinha de praia e volta.
E: "Oi! E aí, já almoçou?"
A: "Quê?"
E: "Já almoçou?"
A: "Hein?"
E: "Abelardo, você poderia tirar os olhos desse computador, olhar pra mim e se concentrar no que estou dizendo? Você já almoçou?"
A: "Oi! Ainda não. Desculpe, é que estava aqui nos finalmentes do trabalho."
E: "Sei, nos finalmentes. Então agora a gente vai poder namorar?"
A: "Vamos, meu amor, sou todo seu."
Os dois se enroscam na cama e Elisângela fala, toda carinhosa:
E: "Sabe, estava pensando. Podemos almoçar aqui pertinho de casa, descansar e depois dar um pulo lá naquele sambinha que rola hoje, na Lapa. Que achas, hein?! Depois a gente vem pra cá e namora até o sol raiar!"
A: "Adorei a sua idéia. A única coisa que não gostaria de fazer é ir ao sambinha. Você sabe que eu tô duro pra caramba e não tô podendo pagar couvert artístico por aí. Já sei! Hoje tem um show muito legal do "37 Não é Febre", lá no Circo Voador. Eu conheço os caras e posso pedir para colocar o nosso nome na porta. É de graça! Só pagamos a cerveja. E aí?"
E: "Abelardo, eu já fui no show desses caras com você. Lembra que eles não entraram para minha lista de bandas prediletas? Que tal, então, uma água de coco na praia?"
A: "Legal, amor. Ah! Sabe o que tá rolando também? Aquela festa gótica lá no 'Cine Íris'!"
E: "Deus me livre, festa gótica! Aquelas meninas de botas até o joelho, em pleno verão carioca! Uma doença só. Energia negativa não é comigo, Abelardo!"
A: "Meu amor, que tal você sair com as suas amigas e eu com os meus?"
E: "Custa você abrir mão um diazinho da sua vida, cara? Você sabia que se a gente não ceder ali e aqui, o relacionamento vai acabando aos poucos? Ninguém te contou, não? Caramba, você tem 35 anos e, às vezes, parece que tem 18. Francamente, você prefere resolver tudo com a brilhante idéia de ir cada um para um lado?"
A: "Meu amor, não vamos brigar, vai. Tá bom, eu vou ao sambinha na Lapa. Mas, vc paga hoje?"
E: "Fazer o quê, né? Pago..."
A: "Então, vamos, bonequinha, sambar até cansar ao som de Zeca!"
E: "O Zeca é pagodinho. A gente vai ouvir e dançar samba de raiz, Abelardo!"
A: "Ah, sim, linda, entendi. Vamos, então, que agora eu me empolguei!No caminho para o almoço, vamos ensaiando. Sabe aquele passo que você me ensinou outro dia, quando ouvíamos o CD do Vinícius..."
Abelardo começa a sambar, todo sem jeito, saltitando.
E: "Eu te amo, sabia?"
A: "Eu também, minha linda. Canta comigo, vai. Nada melhor do que o 'Samba da Benção' pra iluminar o nosso dia: "É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe, é assim como a luz no coração..."
E os dois saem para almoçar - ele querendo churrascaria e ela japonês - felizes, mas com diferenças que só muita criatividade pode resolver. Ou não...
A: "Bom dia, minha flor!"
E: "Bom dia!"
A: "Está um dia lindo, né?"
E: "É. Vamos dar um pulinho na praia?"
A: "Ih, linda, não vai dar. Hoje eu tenho que finalizar, no computador, todos aqueles trabalhos que ficaram pendentes."
E: "Como sempre, né, Abê? Será que não vai ter um fim de semana sequer, em que vamos conseguir relaxar, ir à praia, tomar sorvete, andar de mãos dadas na Lagoa, viajar? Eu trabalho a semana inteira e adoraria que, pelo menos no fim de semana, pudéssemos ter um tempo pra nós!"
A: "Eu sei, minha flor, mas você sabe que eu tô numa fase assim mesmo, meio sem tempo, meio confusa."
E: "Será que isso é fase, amor? Está durando tanto..."
A: "É, é fase sim."
E: "Tá bom. Vou à praia, então, e depois fazemos algo, ok?"
A: "Ok."
Elisângela curte uma horinha de praia e volta.
E: "Oi! E aí, já almoçou?"
A: "Quê?"
E: "Já almoçou?"
A: "Hein?"
E: "Abelardo, você poderia tirar os olhos desse computador, olhar pra mim e se concentrar no que estou dizendo? Você já almoçou?"
A: "Oi! Ainda não. Desculpe, é que estava aqui nos finalmentes do trabalho."
E: "Sei, nos finalmentes. Então agora a gente vai poder namorar?"
A: "Vamos, meu amor, sou todo seu."
Os dois se enroscam na cama e Elisângela fala, toda carinhosa:
E: "Sabe, estava pensando. Podemos almoçar aqui pertinho de casa, descansar e depois dar um pulo lá naquele sambinha que rola hoje, na Lapa. Que achas, hein?! Depois a gente vem pra cá e namora até o sol raiar!"
A: "Adorei a sua idéia. A única coisa que não gostaria de fazer é ir ao sambinha. Você sabe que eu tô duro pra caramba e não tô podendo pagar couvert artístico por aí. Já sei! Hoje tem um show muito legal do "37 Não é Febre", lá no Circo Voador. Eu conheço os caras e posso pedir para colocar o nosso nome na porta. É de graça! Só pagamos a cerveja. E aí?"
E: "Abelardo, eu já fui no show desses caras com você. Lembra que eles não entraram para minha lista de bandas prediletas? Que tal, então, uma água de coco na praia?"
A: "Legal, amor. Ah! Sabe o que tá rolando também? Aquela festa gótica lá no 'Cine Íris'!"
E: "Deus me livre, festa gótica! Aquelas meninas de botas até o joelho, em pleno verão carioca! Uma doença só. Energia negativa não é comigo, Abelardo!"
A: "Meu amor, que tal você sair com as suas amigas e eu com os meus?"
E: "Custa você abrir mão um diazinho da sua vida, cara? Você sabia que se a gente não ceder ali e aqui, o relacionamento vai acabando aos poucos? Ninguém te contou, não? Caramba, você tem 35 anos e, às vezes, parece que tem 18. Francamente, você prefere resolver tudo com a brilhante idéia de ir cada um para um lado?"
A: "Meu amor, não vamos brigar, vai. Tá bom, eu vou ao sambinha na Lapa. Mas, vc paga hoje?"
E: "Fazer o quê, né? Pago..."
A: "Então, vamos, bonequinha, sambar até cansar ao som de Zeca!"
E: "O Zeca é pagodinho. A gente vai ouvir e dançar samba de raiz, Abelardo!"
A: "Ah, sim, linda, entendi. Vamos, então, que agora eu me empolguei!No caminho para o almoço, vamos ensaiando. Sabe aquele passo que você me ensinou outro dia, quando ouvíamos o CD do Vinícius..."
Abelardo começa a sambar, todo sem jeito, saltitando.
E: "Eu te amo, sabia?"
A: "Eu também, minha linda. Canta comigo, vai. Nada melhor do que o 'Samba da Benção' pra iluminar o nosso dia: "É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe, é assim como a luz no coração..."
E os dois saem para almoçar - ele querendo churrascaria e ela japonês - felizes, mas com diferenças que só muita criatividade pode resolver. Ou não...
sexta-feira, abril 08, 2005
Brincadeira Perigosa
A matéria de capa da revista do jornal "O Globo" desse domingo (03/04/05) me assustou. "Brincadeira Perigosa" fala dos danos que os cosméticos, cada vez mais utilizados pelo público infantil, podem causar. O que mais me entristeceu, além da constatação de que cada vez mais crianças estão usando produtos que só deveriam usar mais velhas, foi ler a seguinte pérola:
"A veterinária Elisabeth Bomfim, de 44 anos, acha que algumas etapas da infância vêm sendo puladas. Ela incentivou tanto quanto pôde que a filha Carolina, de 11 anos, usasse vestidos rodados e cheios de babados. Não gosta que a menina use maquiagem, nem esmaltes. Salto alto? Nem pensar."
Até aí, tudo bem. Agora olha só:
"Mas, Elisabeth deixou que Carol passasse os produtos químicos da escova progressiva para alisar as ondinhas do cabelo. 'Ela estava constantemente com os cabelos presos. Não gostava muito de tirar fotos. Depois de procurar um produto aprovado e uma profissional confiável, deixei que ela fizesse. A carinha dela mudou' - diz a mãe, que antes de permitir que a filha fizesse o procedimento, testou em si mesma. 'Eu sou bastante alérgica. Então imaginei que, se fizesse em mim e desse tudo certo, ela poderia fazer também'. Carol, que já repetiu o tratamento três vezes, está feliz da vida com os cabelos. 'Quase todas as minhas amigas já fizeram, mas fizeram com produtos mais fortes e o cabelo ficou bem liso'.
E por aí vai a matéria...
Acredito que essa mãe esteja muito bem intencionada. De verdade. Estamos tão imersos nesta linha de produção, onde somos meros produtos, todos iguais, saindo quentinhos para consumo, que esquecemos de olhar de fora e tentar formar opinião sobre o que acontece em volta. Mas, será que a auto-afirmação dessa menina, de apenas 11 anos (ONZE ANOS!!!!), precisa se dar através da química da moda, da síndrome de Michael Jackson - insatisfação permanente, mudança constante?! O que aconteceria a Carol se ela permanecesse com os cabelos ondulados? O que tem de feio, de tão inaceitável nesse tipo de visual? Afinal, não é a diversidade da beleza da mulher brasileira que faz sucesso aqui e no mundo todo? Diferentes cabelos, tons de pele, cor de olhos... E o que queremos, ficar todos iguais??? O que faz uma criança se preocupar tanto com estética? E, pior, o que faz uma mãe acreditar que está fazendo muito bem à filha, estimulando um tratamento químico desses? E mais: para ter a certeza de que a filha pisa em terra firme, se submete ao tratamento antes, como se isso fosse banir qualquer conseqüência que Carol possa sofrer no futuro. Trash, não? Quando eu tinha 11 anos, estava na quinta série do Colégio Notre Dame, em Ipanema, jogando queimado e indo pra casa toda descabelada. Aí, você que me conhece vai dizer: "Mas, Bel, você sempre teve cabelo liso." Olha, minhas amigas de cabelos ondulados nunca tiveram esse tipo de preocupação nessa época. Pensávamos em outras coisas. O melhor dessa fase é poder brincar, sem se ligar em nada. Mas, parece que isso está mudando... Bons tempos aqueles! Tempos em que a ditadura da beleza não falava tão alto.
Quem, eu? Sendo radical? Não acho, não. Não sou contra tratamentos estéticos. Não mesmo. Mas, tudo que vem em doses exageradas é nocivo à saúde, à mente. E, sinto muito, mas uma criança de 11 anos fazendo escova progressiva e dizendo que na sua sala do colégio TODAS as suas amigas já passaram pela experiência... Francamente, plagiando nosso amigo Caetano Veloso, "alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial."
xxx
Esse texto é para uma outra Carol, a minha afilhada linda, de 10 anos.
"A veterinária Elisabeth Bomfim, de 44 anos, acha que algumas etapas da infância vêm sendo puladas. Ela incentivou tanto quanto pôde que a filha Carolina, de 11 anos, usasse vestidos rodados e cheios de babados. Não gosta que a menina use maquiagem, nem esmaltes. Salto alto? Nem pensar."
Até aí, tudo bem. Agora olha só:
"Mas, Elisabeth deixou que Carol passasse os produtos químicos da escova progressiva para alisar as ondinhas do cabelo. 'Ela estava constantemente com os cabelos presos. Não gostava muito de tirar fotos. Depois de procurar um produto aprovado e uma profissional confiável, deixei que ela fizesse. A carinha dela mudou' - diz a mãe, que antes de permitir que a filha fizesse o procedimento, testou em si mesma. 'Eu sou bastante alérgica. Então imaginei que, se fizesse em mim e desse tudo certo, ela poderia fazer também'. Carol, que já repetiu o tratamento três vezes, está feliz da vida com os cabelos. 'Quase todas as minhas amigas já fizeram, mas fizeram com produtos mais fortes e o cabelo ficou bem liso'.
E por aí vai a matéria...
Acredito que essa mãe esteja muito bem intencionada. De verdade. Estamos tão imersos nesta linha de produção, onde somos meros produtos, todos iguais, saindo quentinhos para consumo, que esquecemos de olhar de fora e tentar formar opinião sobre o que acontece em volta. Mas, será que a auto-afirmação dessa menina, de apenas 11 anos (ONZE ANOS!!!!), precisa se dar através da química da moda, da síndrome de Michael Jackson - insatisfação permanente, mudança constante?! O que aconteceria a Carol se ela permanecesse com os cabelos ondulados? O que tem de feio, de tão inaceitável nesse tipo de visual? Afinal, não é a diversidade da beleza da mulher brasileira que faz sucesso aqui e no mundo todo? Diferentes cabelos, tons de pele, cor de olhos... E o que queremos, ficar todos iguais??? O que faz uma criança se preocupar tanto com estética? E, pior, o que faz uma mãe acreditar que está fazendo muito bem à filha, estimulando um tratamento químico desses? E mais: para ter a certeza de que a filha pisa em terra firme, se submete ao tratamento antes, como se isso fosse banir qualquer conseqüência que Carol possa sofrer no futuro. Trash, não? Quando eu tinha 11 anos, estava na quinta série do Colégio Notre Dame, em Ipanema, jogando queimado e indo pra casa toda descabelada. Aí, você que me conhece vai dizer: "Mas, Bel, você sempre teve cabelo liso." Olha, minhas amigas de cabelos ondulados nunca tiveram esse tipo de preocupação nessa época. Pensávamos em outras coisas. O melhor dessa fase é poder brincar, sem se ligar em nada. Mas, parece que isso está mudando... Bons tempos aqueles! Tempos em que a ditadura da beleza não falava tão alto.
Quem, eu? Sendo radical? Não acho, não. Não sou contra tratamentos estéticos. Não mesmo. Mas, tudo que vem em doses exageradas é nocivo à saúde, à mente. E, sinto muito, mas uma criança de 11 anos fazendo escova progressiva e dizendo que na sua sala do colégio TODAS as suas amigas já passaram pela experiência... Francamente, plagiando nosso amigo Caetano Veloso, "alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial."
xxx
Esse texto é para uma outra Carol, a minha afilhada linda, de 10 anos.
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