quinta-feira, junho 30, 2005

Beckett

"Quando tudo mais acabar, ainda resta a minha história".

Samuel Beckett

quarta-feira, junho 29, 2005

Viva Chico!


"A idiotice nos rodeia. Eu mesmo tenho medo de virar um idiota."

"Há 40 anos não era assim. Estávamos todos bêbados em Ipanema dizendo coisas absurdas, mas nada disso saía na imprensa. Hoje, um artista vai ver um jogo de futebol e vem um jornalista e pergunta o que você achou do jogo. Não gosto disso."

"Não gosto de lembrar dos anos 60, nem dos 70. Dos anos 80 não me lembro e nos 90 começou a idiotice. Gosto de estar vivo, de fazer as coisas no meu ritmo, sem pressões."

"Eu digo que vou escrever um novo livro e passo dois anos dando entrevistas. Depois, falo do livro que não saiu. E assim passa a vida. Hoje, é possível viver de feira literária em feira literária. Há festivais a cada semana, em alguma parte do mundo. Agora me consideram escritor e posso viver como um turista literário. Certamente, conseguiria ser muito mais conhecido como escritor do que sou hoje sem a necessidade de escrever mais livros."

Esse é o nosso Chico Buarque de Holanda, que acha ridículo estar na lista dos homens mais "sexy" do Brasil e que define o momento que vivemos hoje como um "momento de idiotice globalizada".

Depois disso, não é preciso dizer mais nada. Viva Chico!!!

quinta-feira, junho 23, 2005

Na livraria...

Numa livraria qualquer do Leblon, a princesa encantada se depara com muitas notícias, diversos lançamentos. Seus olhos fazem o zig-zag ansioso de quem não quer perder um só detalhe das linhas e cores que se apresentam ali e embaralham sua mente inquieta. Eles registram "O Kamasutra", "Cabeça de Porco", "Caras", "Vizoo", "Trip", "Buble Gum", "Anjos e Demônios" e outras centenas de títulos. Ela se dá conta da presença feminina na maioria das capas de revistas, e chega a pensar em produzir um ensaio fotográfico próprio, para estampar sua beleza na "Castle Magazine", a revista de maior tiragem, no Reino da Imaginação.

Alguns livros despertam sua curiosidade (Nesta noite, o que mais lhe interessou foi "O Kamasutra". Será que Freud tá livre hoje?), outros são eruditos demais, e muitos são surpreendentes (O Jean, do Big Brother, escreveu um livro???!!! Ela e sua santa ignorância não sabiam... E ele já está preparando o segundo... Ou seja, o primeiro vendeu bem. Nessa hora, ela desejou ter menos atribuições na vida, para que conseguisse acabar seu precioso livro dedicado às crianças.) Das caixas de som, saía um carinho para seus ouvidos: o novo trabalho de Badi Assad.

Mas, o que fez essa frágil donzela enfrentar a temperatura da madrugada polar do Rio de Janeiro (O termômetro marcava 18 graus! Um friiiiiooo...) e passar boa parte de sua noite numa livraria 24h? Na verdade, sua intenção era ir ao cinema, tomar umas caipivodkas de morango no bar da esquina e depois dançar um pouco. Rolou o cinema, rolaram as caipivodkas, mas a dança não rolou. O príncipe que lhe fazia companhia não estava bem, ficou cansado, pensativo e quis ir pra casa. Subiu no cavalo, a princesa lhe fez um carinho e ele partiu. Por isso, a moça de cabelos cor de fogo foi parar na livraria, de madrugada. Não era bem isso que planejava fazer, mas acabou se divertindo.

Sua mente inquieta pensava: "É nas livrarias 24h que topamos com as figuras mais curiosas. Quem nunca parou ao lado de alguém, num lugar desses, e começou a traçar todo um perfil e uma história de vida para essa pessoa: 'Esse aí tá todo de branco. Então, deve ser médico, estar voltando do plantão, e passou aqui pra dar uma relaxada. A mulher deve estar dormindo. Já deve estar acostumada com a ausência dele. Mas, será que ele está feliz?' Enfim, topamos também com insones deprimidos, bêbados chatos, coroas metidos a intelectuais, que bebem café, comem brownie e fingem ler Nietzsche. Sem falar nos milhares de pedestres carentes, que buscam conforto na palavra".

O relógio marcava 4h e a princesa já não tinha mais condição de ler uma linha sequer de "O Kamasutra". Entrou na carruagem e seguiu rumo ao castelo cor de laranja. A solidão havia lhe feito tão bem nesta noite... Ela trocou experiências com cada um que passou pela livraria. Mesmo que tenha sido uma troca silenciosa. O importante é que houve troca. Sentiu uma energia, que só as livrarias 24h têm. Uma energia que vem da madrugada fria, que vem dos que vagam por ela e aproveitam cada minuto seu. Uma energia que a fez perceber que, princesa ou não, ela continuaria sendo ela mesma. Para sempre. Uma energia que a fez se sentir mais viva do que nunca.

quinta-feira, junho 09, 2005

2:04

O relógio marca 2:04 e ela não pára de teclar. O sono não chega e a inspiração transborda. Seus pensamentos ramificam tanto quanto a árvore genealógica da família imperial brasileira. O silêncio da madrugada, misturado ao ruído da cadeira velha em que está sentada resultam numa bela sinfonia para sua escrita. Tica-tac, tic-tac...

O tempo passa e ela tem lembranças. Dos tempos mais remotos ao segundo que passou. Faz um filme da vida. Sorri, dá gargalhadas, choraminga, cai em prantos, sente os cheiros de momentos diferentes pelos quais passou e das pessoas mais marcantes que cruzaram seu caminho. Relembra filmes, viagens, leituras e, de repente, é invadida por uma felicidade plena.

Ela quer terminar a música que está compondo, escrever mais um capítulo do livro a que tanto se dedica. Não consegue. Olha para "A Mulher de Costas", de Dali, "As Meninas", de Velazquez e "O Jardim das Delícias", de El Bosco. Os três, ao seu redor, estabelecem um diálogo que só ela entende.

Depois dessa confusão de referências, cores e informações, uma simples imagem vem à sua cabeça: a de alguém que conseguiu lhe proporcionar muito conforto e dizer palavras sábias num momento em que ela realmente precisava. A vela acesa; a única parede azul, com um toque de Matisse; o vento frio da noite; o prego solitário que abrigava um Miró, agora estilhaçado... O sonho está muito bom e é um pecado acordá-la agora.

De supetão, ela acha a paz que sempre procura. O sono chega, o corpo amolece... Novamente, a princesa adormece e, desta vez, parece ter comido a maçã envenenada. Pois nenhum, nenhum barulho faz com que ela se mova. Nem o silêncio da madrugada, nem o ruído da cadeira velha, nem a voz dos artistas...