quinta-feira, dezembro 27, 2007

Querida professora,

Lembro-me como se fosse ontem do dia em que você nos encomendou um conto de tema livre para casa. Aspirante à escritora, no alto dos meus vinte e poucos anos, logo fui pra casa e me pus a pensar sobre o que escreveria, como começaria o texto, enfim, o trabalho passado havia me enchido de alegria e vontade de entregar algo que merecesse nota dez. Pois passei muito tempo a pensar e a escrever e, finalmente, o texto ficou pronto. Lá estava ele como um bebê que acabara de vir ao mundo. E lá estava eu como uma mãe literária de primeira viagem...

Minha surpresa, professora, foi quando recebi de volta o conto com uma nota nove. Não que tenha achado a nota ruim, mas é que eu - pela primeira vez - havia feito de fato um trabalho com prazer e fiquei na esperança de que minha nota fosse proporcional a esse sentimento. Mais surpresa ainda fiquei quando ouvi suas palavras: "Não posso acreditar que você tenha escrito esse lindo texto. Está muito bem feito, merece nota máxima mas, pela minha desconfiança, dei um desconto. Nota nove". Minhas recordações desse dia não são muito boas. O que havia sido um momento de êxtase para mim se transformou em decepção, frustração. Custava a acreditar que você, professora, que estava ali para incentivar os alunos, tinha conseguido tirar de sua mente brilhante palavras dignas de quem não merecia aquele posto.

É, professora, mas o mundo dá voltas.

Sempre soube que tinha talento para a escrita, desde meus tempos de colégio. Mas, nunca havia inscrito nenhum trabalho em concursos. Há pouco tempo pipocou um e-mail de uma editora na minha caixa de correio, convidando jovens escritores a concorrer a prêmios com quantos textos quisessem. E aí, professora, eu inscrevi aquele mesmo texto. Você não deve nem se lembrar dele... Nem de mim... Uma mexidinha aqui, uma atualização acolá... Pronto, apertei o "send".

Como você, professora, a comissão julgadora também não me achou merecedora do dez. Mas, pré-selecionou o meu texto, entre mais de mil e quinhentos concorrentes. E ainda vai publicá-lo junto aos ganhadores e outros pré-selecionados. Não, a editora não me disse nada parecido com o que ouvi naquela sala há mais ou menos dez anos. Pelo contrário. A editora sabe o real significado da palavra "incentivo". Num país onde poucos lêem, poucos escrevem o português correto, nada melhor do que gestos como esse. E nada pior do que permitir o ingresso de professores com muito preparo intelectual - isso não posso negar que você tem de sobra - mas pouco preparo emocional e psicológico, em faculdades de nome, espalhadas por esse nosso Brasil.

xxx

Pra quem ficou curioso, a professora em questão é Ana Arruda, viúva do grande mestre Antônio Callado e esse concurso me libertou da terrível sensação de que sempre alguém duvidaria da minha capacidade de escrever um bom texto.

13 comentários:

Anônimo disse...

Bel,
Fiquei indignada ao ler seu texto. Como uma pessoa que se diz educadora pode ter uma atitude dessas. Será que ela estava com "medo" de que a "criatura superasse o criador"? e com esta atitude, cortaria suas pretensões?
Ainda bem que você não se deixou intimidar por esta pessoa vil e hoje está aí...brilhando e ofuscando pessoas como ela.
Parabéns pela coragem de remeter o texto para a editora e mais parabéns ainda por ele ter sido selecionado.
Um beijo de sua fã,
Re

Marco disse...

Isa, a Bela,
Você mandou este seu texto para a professora Ana? Se eu fosse você mandaria.
Que coisa triste a atitude dela...
Bem, querida. Quero te desejar um feliz 2008. Muita Paz e pensamentos felizes. Você é uma pessoa muito especial para mim. Carpe Diem. aproveite o dia e a vida.

Self-destruction disse...

Olá Isabellla.

Passei por isso na extinta 4ª série.
Certa feita, uma dessas professoras emburrecedoras nos pediu uma redação.
Como sempre fui tarado por ler, especialmente " A Turma do posto 4" de Luis de Santiago, escrevi a dita.

ZERO!!!

A pobre disse que eu não era capaz de escrever algo tão bom, uma vez que minhas notas eram péssimas.

Minha mãe encheu duas bolsas com os livros que eu lia e jogou na mesa da professora... "Ele é capaz de escrever sim!!!!"

Nota dez!!!

Bárbara Pereira disse...

Querida Bella,
parabéns pela coragem de expor essa história, principalmente quando envolve uma personagem da chamada "intelectualidade".
Beijos e feliz 2008, com muitos textos nota dez!!!

isabella saes disse...

Queridos amigos, adoro quando escrevo textos que rapidamente são comentados por vocês. Sinal de que tocou de alguma forma. Bom saber que não estou sozinha nessa - no caso do Iztvan - e que bom ler sempre a opinião se vcs!! Grande beijo e feliz 2008.

p.s: Iztvan, como descobriu o meu blog? Não consegui ver o seu...

Self-destruction disse...

Isabelllla:
Achei seu blog procurando alguma coisa do "HB" (Hora do Blush)...
Meu blog é o withoutq.blogspot.com.
Não tenho lá muitas intimidades com o blogger e pode ser que o dito cujo nem esteja on line.
Ah, essa história, apesar de verídica, peço-te que lha mantenha no âmbito deste espaço.

Muitas inquietudes e blush em 2008.
Iizabo

Unknown disse...

Bella, é curioso notar como isso parece comum. Uma triste realidade desse nosso país. Mais uma...
Também ouvi desatinos semelhantes na faculdade. Não sei se é o caso da sua ex-professora, mas acho que rola uma competição velada entre alguns mestres e os alunos que se destacam. O que é uma pena, por ser pequeno demais...
Bjão, parabéns e um felicíssimo 2008!!!

Anônimo disse...

Aff! Que dureza! Bota baratas nos ninhos de ovos no chinelo (o que não é muito bom, digo, usar chinelos melados com ninhos de ovos e baratas)!
Excelente sua voz de malandrinha carioca na hora do blush. :)
Beijos de um fã tardio.

isabella saes disse...

Obrigada, tsl!! E seja sempre bem-vindo aqui e no programa também!!!

p.s: Odeio baratas e amo ninhos de ovos. Realmente, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa...

Anônimo disse...

e vovó é vovó... prepara deliciosos ninhos de ovos, e ainda mata baratas (ou tenta) :)

isabella saes disse...

ééé... já vi que você não perde um lance!! que bacana!

Stella disse...

Oi, Isabela, desculpe ir entrando assim, sem pedir licença, mas este seu texto mexeu e muito comigo...

Assim, me senti no dever de dizer que você não foi a única a sentir a dúvida sobre si em relação a um professor(a). Infelizmente é como você mesma disse, "nada pior do que permitir o ingresso de professores com muito preparo intelectual mas pouco preparo emocional e psicológico". No caso, você relatava sobre uma professora de faculdade. A minha, porém, era um educadora de Ensino Médio que a primeira coisa que nos ensinou foi que cada aluno não era bom o suficiente para ela.
Ela piamente acreditava que eram nossos pais que faziam nossos trabalhos e jamais supunha que pudessem ser os próprios alunos os autores das belas redações que lhes apresentávamos.
Infelizmente, a maioria de meus colegas deixou-se levar pela opinião desta senhora e hoje sequer se aproximam de um lápis ou um caneta para divagar seus pensamentos e sua criatividade.
No entanto, eu decidi, com muita cara de pau, fugir à regra, e neste último ano quase mato do coração a dita professora ao publicar uma de minhas crônicas num de nossos jornais regionais. Ela atinava para o nome do autora da autora do texto mas não acreditava que fosse um de seus (burros e inúteis) alunos.

Assim, ler seu texto é falar de superação, de acreditar em si mesma e, como esta é uma atitude tão rara ultimamente entre as pessoas, preciso parabenizá-la pois você escreve muitíssimo bem!

Um abraço, Isabela!

isabella saes disse...

Dominique! Você não precisa pedir licença, não! Entre e fique à vontade para voltar quando quiser. Pois é, eu sei que, infelizmente, não sou a única e que nosso país está cheio de "mestres" que precisam de muitas sessões de análise. Mas, ainda bem que a gente sobreviveu aos baldes de água fria e estamos aí, usufruindo da forma mais linda de libertação que é escrever! Vi que você tem um blog. Vou passar por lá em breve para saber o que seus dedinhos andam teclando! Um grande beijo e muito obrigada pela visita e pelo elogio no final!