segunda-feira, outubro 27, 2008

Superstição mata

É o que diz o britânico Richard Wiseman, criador da "esquisitologia", ciência que estuda as esquisitices da vida cotidiana. O cara é ex-mágico e agora psicólogo... Um dos exemplos que ele dá para explicar essa afirmação é: a relação entre uma sexta-feira 13 e a ocorrência de acidentes letais. Uma pesquisa feita entre 1971 e 1997 revelou que o percentual de mortes em acidentes de carro que poderiam ser atribuídos ao dia fatídico foi de 38%. Para o cientista, o aumento de acidentes ocorre porque os motoristas ficam mais nervosos, sugestionados pela data.  E por aí vai...

Voltemos à China, um dos países mais supersticiosos do mundo. Muito se falou sobre isso nos jornais no período pré-olímpico, mas vale a pena lembrar aqui. A grafia do número 4 se parece muito com a da palavra "morte". Portanto, celulares com a presença do 4 são vendidos a preço de banana e muitos prédios da capital não têm o quarto andar - pula-se do terceiro para o quinto. Já a grafia do número 8 é muito parecida com a da palavra "prosperidade". Impossível pagar barato num apartamento no oitavo andar ou num celular com vários números oito. Uma quantidade recorde de casamentos foi marcada para o dia 08/08/2008, assim como a abertura dos Jogos Olímpicos. O canto dos grilos traz harmonia, por isso é raro passar por algum estabelecimento na cidade que não tenha um pobre grilinho cantando sem parar, dentro de uma gaiola presa à porta (foto). Enfim, são muitas crenças milenares, que o chineses levam a sério até hoje e acreditam em sua eficácia. 

Agora vem a reflexão que não quer calar: a China tem um quinto dos habitantes do planeta, ou seja, um bilhão e trezentas milhões de pessoas. E é um dos países mais supersticiosos do mundo, como escrevi anteriormente. Aí, vem esse cara dizer que superstição mata? Sei não, hein...

terça-feira, outubro 21, 2008

Sai desse corpo que não te pertence!

Bateu aquela dor de barriga? Uma vontade incontrolável de fazer xixi? Aquela secreção insiste em escorrer pelo nariz ou chegar à garganta a cada tosse? Se você estiver na China, seus problemas acabaram. Baseados no princípio milenar de que, se existe algo incomodando no corpo, quanto mais rápido colocar pra fora, melhor, os chineses cospem e soltam flatulências alegremente pelas ruas. Nem a súplica do governo para que esse hábito pelo menos diminuísse durante as Olimpíadas foi suficiente. Crenças são crenças, e os chineses as seguem à risca. É muito comum andar pelas ruas da cidade ouvindo o barulho constante de puns e escarros. E aí, meu amigo, pra não ficar com cara de nojo, o negócio é relativizar. Banheiros públicos na China são um capítulo à parte. Eu não resisti e filmei um exemplo muito fiel de um deles em plena Pequim. O vídeo é muito rápido porque, confesso, o cheiro não era nada agradável e eu estava com medo de alguém me prender por uso indevido da minha câmera. Mas, dá pra ter uma boa idéia do que é fazer os números 1 e 2 na hora do aperto. Agora, imagina quando tem fila...

segunda-feira, outubro 13, 2008

Chinglish


Quando se chega a Pequim, o que logo chama a atenção é a quantidade de anúncios, placas e cartazes que para nós, ocidentais, não querem dizer absolutamente nada. Impossível entender o mandarim. Quem viu "Encontros e Desencontros", da Sofia Coppola, consegue ter uma idéia do que é estar num país onde se usam ideogramas no lugar do alfabeto romanizado. O filme se passa no Japão, mas em termos de compreensão da língua, não deve fazer a menor diferença estar no Japão ou na China, para aqueles que não têm olhos puxados. Nem tente gravar algumas palavras antes de sair do seu país, vai ser tempo perdido. Descobrimos que a língua ainda é uma barreira por lá. Uma barreira não. Uma muralha, pra combinar melhor com o país em questão. Depois que a China se abriu para o mundo, na década de 70, iniciou-se um lento processo de aprendizado de inglês. E, com a proximidade das Olimpíadas, os chineses correram para as salas de aula para aprender o idioma o mais rápido possível. "Segundo o Ministério da Educação da China, mais de cem milhões de chineses estudam inglês hoje no país nas escolas de ensino básico e intermediário. Essa estatística não inclui os cursos de inglês privados, nos quais se estima que cerca de 50 milhões de pessoas estudem." (trecho retirado do livro "Um Brasileiro na China", de Gilberto Scofield Jr., outro título imperdível para quem quer entender um pouco mais sobre a China)

Tudo bem, eles estão cientes de que é muito importante aprender o inglês e estão se esforçando bastante. Mas, ainda é muito difícil travar um diálogo na China. Às vezes é necessário recorrer à linguagem de sinais e, mesmo assim, você perde um tempo precioso para entender se as duas partes falam sobre o mesmo assunto. Foi complicado saber onde se comprava um shampoo, achar o endereço de um restaurante com o auxílio de um taxista prestativo, saber se estávamos comendo carne ou frango e comprar ingresso para entrar no "Ninho do Pássaro": num guichê onde se lia "information", a equipe estava disponível para dar qualquer informação... em chinês.

Aí, chega uma hora em que você quer mesmo é achar uma placa, com símbolos universais, para sair de lá dizendo que pelo menos alguma coisa deu pra entender. E achamos! Mas, para nossa decepção, não conseguimos decifrar nem a placa de trânsito (foto acima)... Seria "seu carro não pode pegar fogo aqui", "é proibido botar fogo em carros na China"...??? Quem dá mais?
 

sexta-feira, outubro 10, 2008

O segredo do gigante chinês


Uma das leitoras do "Mente Inqueita", Janaína Salles, deixou uma pergunta muito interessante sobre a China nos comentários do post anterior: "Por que eles crescem 10% ao ano e nós (Brasil) não?"

Janaína, reproduzo aqui um trecho do livro "Lawoai", de Sonia Bridi. Ela faz o mesmo questionamento, só que com outras palavras. Aliás, esse é um livro obrigatório para quem quer entender um pouco mais sobre o gigante chinês!

Aí vai:

"Se ditadura justificasse desenvolvimento, a Coréia do Norte seria a Suécia. A Albânia, o paraíso. A África, a terra prometida. É óbvio que o autoritarismo ajuda a agilizar a execução de projetos. Basta ver como eles abrem espaço nos hutongs para construir novos prédios; como não precisam de licença ambiental para construir uma usina. Mas essa não é uma vantagem, é uma desvantagem do crescimento chinês. As decisões autoritárias se revelam desastrosas - o próprio governo hoje reconhece que ter construído a Usina de Três Gargantas não foi uma idéia exatamente genial. Se tivesse havido debate, encontro de idéias, o resultado teria sido outro. Como talvez Itaipu não tivesse jamais sido construída se não fosse num regime militar. O que me irrita é os brasileiros não perceberem que o motor do crescimento chinês é o planejamento. Eles são capazes de estudar as experiências de outros países, avaliar erros e certos, e tomar decisões sobre o próprio futuro. A China investe milhões de dólares em passagens de avião e hospedagens para comitivas e mais comitivas visitarem outros países. Fazem pesquisa de mercado, entendem as formas de produção, conhecem projetos educacionais. O plano para cinco anos é seguido à risca - mesmo que mude a facção do partido que está no comando." 

Nota: em 2006, o crescimento econômico do Brasil foi de 2,9%, o da China, de 11,1%.

Janaína, acho que sua pergunta está respondida, né?! É por isso que a China, com todos os problemas, sem recursos naturais, etc. consegue andar pra frente. E nós... Até quando, nós, abençoados por Deus, ficaremos andando sem rumo por aí?


quarta-feira, outubro 08, 2008

Sol tímido



Entre as 20 cidades mais poluídas do mundo, 16 estão na China. Nada menos do que 400 mil pessoas morrem prematuramente de doenças causadas pela poluição, que gera um prejuízo de mais de U$ 200 bilhões ao ano para a economia do país. Eu não acreditei até ver com meus próprios olhos. A névoa espessa, que encobre o céu de Pequim e faz com que o sol pareça tímido e envergonhado, causa indignação. Sim, há dias em que se consegue ver o céu azul, sem nuvem alguma, mas também há momentos em que a impressão é de que São Pedro - que em chinês deve atender por Xing Tang Kung ou algo parecido - está providenciando muita chuva. E não está! Os olhos ardem e, quando a neblina está baixa, a impressão é de que todos somos parte de um filme de zumbis à la George Romero. Saí de Pequim com inúmeras sensações, mas uma das mais fortes foi de que a cidade grita em silêncio por um ar mais puro e pulmões mais saudáveis.

sexta-feira, outubro 03, 2008

Apertando o botão


A máquina era daquelas bem antigas, saía até uma pequena fumaça do canto. No visor, apenas duas opções: o botão vermelho "com emoção" e o amarelo "sem emoção". Não havia tempo para pensar, o avião decolaria em meia hora, e fizemos nossa escolha baseados na intuição.

xxx

Não houve muito planejamento de nossa parte para ir à China, fora a compra das passagens, a reserva num hotel - de cadeia americana, pois fomos aconselhados por todos os guias impressos a não cair nas garras de uma hospedagem tipicamente chinesa, principalmente pela falta de higiene e ausência de toda e qualquer comunicação em inglês - e três leituras diferentes sobre o país em questão (no fim do texto, você encontra os títulos e seus autores). Partimos para o Oriente com a curiosidade de um bebê recém-nascido, que tudo quer olhar, pegar, cheirar e colocar na boca. Bingo! A cada esquina, um convite a admirar, aproximar o nariz, passar as mãos e sentir o gosto. E que gosto! Nada nos fará esquecer do frango com cogumelos do "Haka Town Restaurant", o mais "roots" de todos!  Mas isso é assunto para um outro post... 

Foram trinta horas de viagem até Pequim, uma jornada que já desafia o corpo de cara, e prova que aquele dia, em que tivemos aquele problema, e nos sentimos do avesso, não foi nada perto de tamanha agressão física. Portanto, meu amigo, se você pretende ir para o outro lado do mundo, abra a sua viagem. Pare no meio do caminho, onde quer que seja a sua escala. Pesquise, leia, arrume algo para fazer durante uns dois dias e, aí sim, siga o seu caminho. Foi, sem sombra de dúvida, a viagem mais marcante da nossa vida. Digo "nossa" porque estava acompanhada de um ser tão aventureiro quanto eu, no melhor sentido da palavra: o maridão. A China é um país intenso e cheio de contrastes. Nos próximos posts vou tentar traduzir em palavras tudo o que vivemos nesses dias de fuso trocado, com esse povo que sorri a cada minuto.

Bom, depois desse breve texto, já dá pra saber qual foi o botão que a intuição nos fez apertar, né?! Como dizem os chineses, "xie xie" (obrigada!) pela visita e volte logo para conferir os capítulos de nossa saga pela China, com muita emoção - pode apostar!

xxx

Bibliografia: "Laowai", Sonia Bridi; "O que os chineses não comem", Xinran; "Um Brasileiro na China", Gilberto Scofield Jr. Leituras imperdíveis pra quem quer saber mais sobre a China!