sexta-feira, junho 29, 2007

Amélia

Meu nome é Amélia e eu não tenho a menor vaidade. Bem, faço as unhas dos pés às sextas e quando alguém vai pro estrangeiro, peço sempre uma bolsinha ou um creminho Victória Secrets, se é que se pode chamar isso de vaidade em meio a tantas outras coisas que aconteceram na minha vida. Cresci no subúrbio carioca, mais precisamente em Belford Roxo, e com apenas 12 anos comecei a trabalhar com minha mãe na casa de uma patroa bacana, naquele bairro de nome cheio de pompa, "Itaiangá", onde moram as pessoas que a galera lá da minha vizinhança chama de "novurixi". Apartamento chique, precisava ver. Louça de cristal e tal. Tv de plasma, cremes importados, tudo do bom e do melhor. E foi com muito trabalho que cheguei onde cheguei. Sou do subúrbio, mas sou bonitinha mesmo, tá?! Olha o preconceito! E minha carinha de anjo e minhas curvas bem feitas (bem feitas até demais) acabaram me levando para uma vida melhorzinha, sabe. Foi quando eu fiz 22 anos que vi um anúncio lá na parede da universidade que fazia parte do meu caminho de trabalho. "Teste para apresentadora". Peguei todos os dados e me inscrevi. Noites antes treinei textos de jornal velho em frente ao espelho, segurando o microfone, que era a minha escova cheia de cabelos sujos. Cheguei no teste, cheio de moçoila de chapa no cabelo, batom da última, roupinha da loja do momento. Pensei: fodeu. É, foi isso mesmo que pensei. Mas, já que estava na chuva era pra me molhar. Fiz o teste e (vou parar de enrolar) passei. Virei apresentadora de TV de um dia pro outro. E o pior é que nem de um trato eu precisava, de tão bonitinha, de pele lisinha, olhos azuis, cheirosinha mesmo... Mudei, fui morar na Zona Sul, comecei a ter amigos da TV, pessoal influente, da hora. Estudei, passei a escrever também, tenho site na internet, colaboro para uma revista boazinha mesmo chamada "M.", faço um risoto delicioso para meu marido Renan, um alto executivo de multinacional e... estou de saco cheio. De saco cheio dessa vida de aparências, de gente que te chama pra fazer trabalho e não te paga, de gente que não combina as coisas direito, de anti-profissionalismo, de gordos, de magros, de bonitos, de feios, de vamos, não vamos, vamos, não vai mais... Dos escândalos políticos, da violência (não consigo voltar mais ao meu bairro... agora os ômi tudo invadiram lá e não deixam estranho entrar, eu virei estranha em Belford!), enfim, não tem mais espaço nenhum no meu saco. Cadê o mérito, minha gente? Cadê o respeito? Cadê os hospitais públicos? E as moscas do IML, que tanto ficaram íntimas de mim num determinado momento da vida, cadê? Estão lá, no mesmo lugar. Cadê o pobre, cadê o rico? Esses eu consigo ver bem divididos pelo Apartheid diário que se dá na nossa cara. Aí, eu pergunto: adiantou melhorar de vida? Ai... Tô cansada. Sabe, às vezes me dá vontade de voltar lá no tempo da minha infância em Belford, onde eu ainda não era uma mulher esclarecida, não tinha conquistado independência, estudo e tudo mais. Quando eu subia em árvores, não escutava tantos tiros, a vida tinha mais importância... Às vezes me dá vontade de ter permanecido burra. Pra não entender e não perceber certas coisas. Às vezes acho que aquela Amélia é que era a mulher de verdade.

Amélia vai até a cozinha de seu apartamento na Gávea pegar um suco...

Pensamento: Ai, mas que texto pessimista, meu Jesus... Será que deprimi e não percebi, gente? Bom, deixa eu ir, que tá na hora da minha drenagem linf... Ops!

Obs: esse texto tem inspiração em personagens da vida real...

5 comentários:

Marco disse...

Mas essa minha amiga contista é boa demais da conta!
Mas um belo texto, Isa, a Bela. Que bom que voc~e voltou com essa inspiração de musa grega. Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.

Unknown disse...

Ah, as inesquecíveis moscas do IML!!!
Ótimo texto, moça! Saudade de tu!!!
Bjão!

Anônimo disse...

Belzinha,
Que ótimo texto! Entendo perfeitamente a Amélia: hoje em dia é mais fácil (e cômodo) ser pessimista. Afinal, são tantas as notícias que contribuem para isso: segregação social, racial, moral; aquecimento global; e o nosso país governado por um boçal. É...realmente é mais fácil ser pessimista.
Beijos
Re

Anônimo disse...

Belzinha,
Agora me diz:
Tenho ou não razão para babar por esta sobrinha?
Você é demais, sua menina!!!
Beijos
Tia Sonia

Anônimo disse...

Bela,
Que texto interessante. Me fe veio várias pessoas conhecidas a cabeça.
Retrato da vida. Não pára de escrever no blog não, tá.
Bjus e inté!
Érika